AS MARGARIDAS...
“Elas já abriram?” Perguntava
minha tia, cheia de esperanças
à minha mãe.
“Ainda não Biluca.” Respondia
ela, com toda a paciência
deste mundo, como se ela
estivesse falando comigo,
quando eu era bem pequeno.
Pela posição dela na cabeceira
da cama de minha Tia, eu
podia ver seu sorriso
silencioso, enquanto ela
continuava a tricotar e eu
sabia que ela estava sorrindo
por causa da pergunta que Tia
Biluca havia feito, pois era
uma pergunta muito comum
de se ouvir dela naquela época
do ano.
Nas ultimas semanas de sua
doença, minha Tia continuava
a viver para ver florir as
margaridas de seu canteiro no
quintal dos fundos da casa
dela.
Às vezes eu ainda penso que a
única razão por ela não ter
sucumbido mais cedo ao
câncer que a levou deste
mundo, foi para poder ver
pela ultima vez as margaridas
que ela tanto adorava abertas
em flor.
Eu não compreendia o porque
daquela paixão pelas
margaridas de seu quintal, pois
havia outras flores que de
longe eram muito mais belas
que as margaridas.
Eu sentia uma vontade enorme
de saber porque ela era tão
apegada a elas, mas a
presença dos adultos me
inibia, eu tinha receio de me
repreenderem por perguntar,
mas eu sentia que precisava
saber assim que tivesse
chance de ficar a sós com ela.
Eu achava que aquela coisa
que ela sentia pelas
margaridas, era muito
parecido com coisas que
criancinhas sentem pelos seus
brinquedos, ao mesmo tempo
diferente, mas ainda assim
algo infantil, era para mim
difícil explicar e me fazia
refletir a respeito e eu
cheguei à conclusão de que
todos nós chegamos a este
mundo como crianças e
partimos dele do mesmo jeito.
Um dia, numa visita à casa
dela, enquanto minha mãe foi
até a cozinha buscar chá para
Tia Biluca, eu aproveitei para
perguntar sobre as
margaridas, ela parecia tão
fraca que eu me arrependi de
perguntar, pois responder
poderia ser um esforço grande
demais para ela.
Mas ao ouvir minha pergunta,
seu rosto se iluminou e ela
respirou fundo e lentamente
começou a falar, com um voz
quase inaudível, tanto que tive
que me aproximar o mais que
pude para ouvir.
Zezinho, meu sobrinho
querido, quando eu e seu Tio
Oswaldo nos casamos, nesta
mesma época do ano, as
margaridas estavam em flor e
eu as usei em meus cabelos na
cerimônia de nosso
casamento, seu Tio as adorava
e todos os anos a gente as
plantava em nosso quintal do
fundos e por algum milagre ou
misterioso capricho da
natureza, elas sempre
floresciam na data do
aniversário de nosso
casamento.
Depois que seu tio faleceu eu
senti terrivelmente sua falta e
tudo que me sobrou foram as
margaridas que ele tanto
amava e quando elas se
abriam, eu me sentia mais
perto dele novamente e isto
me acalmava a dor no coração
e preenchia um pouco do
vazio na alma que ele me
deixou com sua partida.
As margaridas me salvaram a
vida varias vezes nestes anos
todos, pois na época de nosso
aniversário de casamento eu
queria morrer para ir para o
céu ficar juntinho dele.
E então ela terminou de me
contar sua historia, lentamente
fechou seus olhos e
calmamente entrou em sono
profundo e eu não me atrevi a
falar mais nada, mas dentro de
meu coração eu estava
extasiado com sua historia de
amor pelo meu tio e o papel
que as margaridas tiveram na
vida dos dois.
Fomos embora deixando Tia
Biluca aos cuidados de suas
filhas mais velhas e quando
voltamos no dia seguinte, ela
já não tinha mais forças para
falar, não mais podia receber
outras visitas a não ser minha
mãe que era sua irmã mais
nova e a sua preferida.
Lembro-me, de que minha
mãe precisava de alguém para
desabafar e como não tinha
esta chance com meu pai, ela
desabafou comigo e tenho
certeza de que se sua dor não
fosse tão grande pelo que
acontecia com minha tia, ela
jamais teria me exposto a tal
sofrimento, contando-me o
que realmente ocorria com a
saúde de tia Biluca.
Ela me disse que muitas vezes
ela havia desejado que minha
tia tivesse se deixado ir para
não vê-la sofrer mais com
tanta dor, e era tanto
sofrimento e que muitas vezes
ela queria chorar, mas não o
fazia pelo meu bem, para que
eu não sofresse por
antecipação.
Enquanto eu esperava minha
mãe sair do quarto de tia
Biluca, eu podia imagina-la
sentada à cabeceira de sua
cama, segurando sua mão com
carinho, como se a
encorajando a não lutar mais e
partir e aquilo me dava um
aperto no coração.
Para me distrair, comecei a
mexer nos livros da estante e
achei um álbum antigo de
fotografias, comecei a folhear
as páginas e logo percebi que
era o álbum de casamento de
Tia Biluca com Tio Oswaldo e a
data impressa em ouro na capa
dele dizia, 26 de março de
1954.
Eu estava encantado com as
fotos, eu reconheci tia Biluca
instantaneamente, linda,
jovem, encantadora, com um
sorriso que parecia iluminar o
sol e em seus cabelos, as
margaridas que a faziam
parecer um anjo, toda vestida
de branco, com as flores na
cabeça e então eu pude
perceber pela primeira vez na
minha vida a verdadeira beleza
das pequenas margaridas.
Depois de algum tempo fomos
embora e na manhã seguinte,
quando o telefone tocou e
minha mãe foi atender, de
alguma forma eu sabia, minha
tia tinha partido, dia 26 de
março, na data de aniversário
de seu casamento e quando
mamãe confirmou o que eu já
sabia, nos arrumamos e fomos
para a casa de minha tia, onde
todos os seus filhos e amigos
já estavam reunidos para se
despedirem dela pela ultima
vez.
Quando lá chegamos, minha
mãe abriu o portão da frente,
entramos e eu corri para o
quintal dos fundos e a imagem
das margaridas em flor foram
embaçadas pelas minhas
lágrimas, pois elas haviam
florido da noite para o dia e eu
fiquei muito triste porque este
ano, na data do aniversário de
seu casamento, ela não
conseguiu ver as margaridas
em flor, mas meu coração,
com toda a força de seus
sentimentos, me disse que a
despeito de minha tristeza, eu
deveria sorrir, porque este
ano, dia 26 de março, data de
aniversário de seu casamento,
eles estavam celebrando
juntos lá no céu, vendo lá de
cima, cá embaixo na terra, as
margaridas em flor.
A natureza nos dá sinais claros
de que todos nós fazemos
parte de um todo, que todas
as nossas ações e sentimentos,
são percebidas e captadas por
ela e que sua reação para
conosco, depende de nossas
ações e pensamentos em
relação a ela, cabe a nós
refletirmos e abrir tanto
nossos ouvidos para ouvi-la,
quanto nossos olhos, para
verdadeiramente enxergar
seus sinais, que estão o tempo
todo à nossa frente, nos
dizendo que o amor é a ligação
entre tudo e todos, sem
exceção.
Autor: Jose Araujo
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